Social Icons

Featured Posts

quinta-feira, 17 de junho de 2021

Verbete explicativo de eclesiologia

 O QUE É O CATOLICISMO?

Papa Francisco e patriarcas orientais.

Os termos “católico” e “igreja católica” são comumente motivos de uma compreensão imprópria ou reduzida. Por causa de uma longa hegemonia da Igreja Católica Apostólica Romana no Ocidente, muitos católicos compreendem como católica somente essa igreja, a Igreja de rito latino. Esse reducionismo conceitual dificulta o reconhecimento da legitimidade das demais igrejas. No entanto, Igreja Católica é toda instituição eclesial cristã que reconhece e configura seus dogmas segundo o Credo Niceno-Constantinopolitano. Elas têm os mesmos dogmas, mas se diferem na liturgia e na organização administrativa e hierárquica.

Em sentido mais amplo, podemos incluir além da essência dogmática niceno-constantinopolitano (vide o que é), a sucessão apostólica, o episcopado e a prática sacramental também definem o que é catolicismo. A definição parte do mínimo comum. As formas como historicamente foram vivenciadas cada um desses elementos sempre foram diversas desde o cristianismo primitivo.

O catolicismo pode ser classificado em duas grandes vertentes: a) Igrejas católicas de comunhão romana; b) Igrejas católicas de comunhão não-romanas. Embora, outras classificações podem ser propostas. A classificação exposta a seguir considera o critério da autoridade do bispo de Roma como símbolo visível de comunhão.

 

I – IGREJAS CATÓLICAS DE COMUNHÃO ROMANA

 

As Igrejas Católicas de comunhão romana são 24: Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja Católica Copta, Igreja Católica Etíope, Igreja Católica Eritreia, Igreja Greco-Católica Melquita, Igreja Católica Bizantina Grega, Igreja Católica Bizantina Ítalo-Albanesa, Igreja Greco-Católica Ucraniana, Igreja Greco-Católica Bielorrussa, Igreja Greco-Católica Russa, Igreja Greco-Católica Búlgara, Igreja Católica Bizantina Eslovaca, Igreja Greco-Católica Húngara, Igreja Católica Bizantina da Croácia e Sérvia, Igreja Greco-Católica Romena, Igreja Católica Bizantina Rutena, Igreja Católica Bizantina Albanesa, Igreja Greco-Católica Macedônica, Igreja Católica Armênia, Igreja Maronita, Igreja Católica Siríaca, Igreja Católica Siro-Malancar, Igreja Católica Caldeia e Igreja Católica Siro-Malabar. Todas elas têm ritos, hierarquias, organizações diversas, são autônomas. As igrejas de ritos orientais são, às vezes, referidas como sui iuris (com direito próprio). Isso significa que elas têm um código de direito canônico específico e diferente da Igreja de rito latino. Porém, todas mantêm os mesmos dogmas e o reconhecimento do bispo de Roma, atualmente, o papa Francisco.

 

II – IGREJAS CATÓLICAS DE COMUNHÃO NÃO-ROMANA

 

As Igrejas católicas que não mantêm a comunhão com o bispo de Roma são: a) Igrejas Católicas Ortodoxas: Igreja Ortodoxa de Constantinopla, Igreja Ortodoxa Apostólica Estoniana, Igreja Ortodoxa de Alexandria, Igreja Ortodoxa de Antioquia, Igreja Ortodoxa de Jerusalém, Igreja Ortodoxa do Sinai, Igreja Ortodoxa da Bulgária, Igreja Ortodoxa da Geórgia, Igreja Ortodoxa da Sérvia, Igreja Ortodoxa de Moscou, Igreja Ortodoxa Ucraniana, Igreja Ortodoxa da Romênia, Igreja Ortodoxa Polonesa, Igreja de Chipre, Igreja da Grécia, Igreja Ortodoxa Albanesa, Igreja Ortodoxa Tcheca e Eslovaca, Igreja Ortodoxa na América, Igreja Ortodoxa da Ucrânia, Igreja Ortodoxa Cretense, Igreja Ortodoxa Estoniana, Igreja Ortodoxa da Letônia e todas as igrejas da comunhão ortodoxa. Incluem neste grupo, as igrejas orientais não-calcedonianas.

B) Igrejas Católicas da Reforma: Igreja Católica Anglo-Luterana, Igreja Anglicana, Igreja Episcopal Anglicana no Brasil, Igreja Episcopal dos Estados Unidos, Igreja Espanhola Reformada Episcopal e todas as igrejas da comunhão anglicana. Elas são igrejas oriundas da Reforma Protestante, mas que mantiveram a catolicidade. A influência protestante/evangélica entre elas varia muito.

C) Igrejas Católicas divergentes dos concílios modernos: Igrejas Veterocatólicas, Igreja Católica Cristã da Suíça, Igreja Católica Apostólica Brasileira, Igreja Católica Apostólica Salomoniana, Igreja Católica Conservadora do Brasil, Igreja Católica Nacional Polonesa, Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, Igreja Católica Palmariana e as igrejas da União de Utrecht. São igrejas que divergiram dos concílios vaticanos I ou II e que constituíram organizações autônomas.

As igrejas católicas-não romanas podem ser classificadas como católicas porque mantêm a fé católica fundamental do Credo Niceno-Constantinopolitano e demais credos antigos,  conservam a sucessão apostólica, o episcopado e a prática sacramental, porém, são autônomas e constituem comunhões próprias. As igrejas católicas de comunhão romana e de comunhão ortodoxa incluem as igrejas mais antigas e tendem a se assemelharem mais do que as reformadas. As reformadas e as divergentes dos concílios modernos ora têm uma configuração mais católico-conservadoras, ora têm uma configuração mais protestante-evangélica.

*Artigo sujeito a revisão.

domingo, 24 de novembro de 2019

Apocalipse de João


APOCALIPSE DE JOÃO
Introdução
Com exceção de trechos dos evangelhos sinóticos, o Apocalipse de João é o único deste gênero no Novo Testamento. Porém, se formos buscar na literatura judaica e na literatura cristã nascente encontraremos outros textos apocalípticos. Os apocalipses são um tipo de literatura que se caracteriza pelas revelações sobre os últimos acontecimentos da história, sobre os segredos do além-mundo com descrições do céu e do inferno e concepções sobre a origem do mal e do pecado.[1]
Os apocalipses cristãos são uma continuidade do tipo de literatura judaica iniciada pelos livros de Daniel e de Enoque. Na biblioteca de Nag Hammadi, foram encontrados 5 apocalipses: Apocalipse de Paulo, 1º Apocalipse de Tiago, 2º Apocalipse de Tiago, Apocalipse de Adão e Apocalipse de Pedro.
O Apocalipse está estruturado do seguinte modo: 1. Prólogo (Ap 1, 1-3); I – As cartas às Igrejas da Ásia (1, 4-2, 22); II – As visões proféticas (4, 1-22, 21).

Contexto e interpretação do Apocalipse

O Apocalipse de João é interpretado de diferentes modos. Há a interpretação futurista que quer ver no simbolismo no livro predições para o fim dos tempos. É um tipo de leitura que ignora o contexto histórico e social da Igreja do século I. Já a interpretação pretérita enxerga os acontecimentos descritos como relativos à situação dos cristãos no século I. A interpretação idealista se desprende de uma cronologia específica e vê toda a narrativa e os símbolos como aplicável a qualquer época e situação dos cristãos.
A abordagem interpretativa que seguimos é a de que, como todos os apocalipses, as narrativas simbólicas dizem respeito ao tempo do autor. Para fins litúrgicos, esta interpretação é atualizada e aplicada ao momento do leitor. Porém, se sentido preferível será sempre aquele do contexto imediato do autor.
A perseguição relatada no Apocalipse pode ser o reflexo daquela que os cristãos da Ásia sofreram por parte do imperador Domiciano por volta de 95. As igrejas sofriam uma dupla perseguição. Havia uma externa levada a termo pela política romana e uma interna que vinha das heresias que dividiam os cristãos. No começo, os cristãos eram vistos como membros de uma seita judaica. Porém, os judeus tradicionais não os aceitavam por causa da crença na divindade de Jesus. Além dos desentendimentos que havia entre cristãos e judeus, havia as divisões internas nas comunidades cristãs. Havia grupos que ensinavam doutrinas diferentes.
O Novo Testamento está cheio de relatos de perseguição. Os evangelhos já previnem este tipo de situação que os cristãos enfrentariam. Os Atos dos Apóstolos relatam as primeiras perseguições por partes das autoridades judaicas. As cartas procuravam, em muitos pontos, encorajar os cristãos a enfrentarem as perseguições.
Em Romanos 8, 35-16, Paulo  coloca a tribulação, a perseguição e a espada entre as ameaças que pesavam sobre eles. Ao encorajar sua audiência, Paulo afirma que “os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (Rm 8, 18). As reclamações sobre perseguição e tribulação aparecem também em Hebreus 10, 32-34 e 1 Pedro 1,6. 2, 12-15.
O Apocalipse inteiro trata de uma revelação dentro de um tempo de tribulação. Desde a antiguidade, os Pais da Igreja como Ireneu de Lião e Justino Mártir têm localizando este livro cronologicamente dentro do final do reinado de Domiciano. Contemporaneamente, esta tese é aceita.[2]
Se tomarmos como chave de interpretação, seguindo a tradição interpretativa que é utilizada também no apocalipse de Daniel, teremos: “São também sete reis, dos quais cinco (Augusto, Tibério, Gaio, Cláudio e Nero) já caíram, e o outro ainda não veio, mas quando vier deverá permanecer por pouco tempo (Tito).” (Ap 17, 10). O autor continua: “A Besta que existia e não existe mais é ela própria o oitavo (Domiciano) e também um dos sete (retorno a Nero)” (Ap 17,11). Esta identificação coincide com o histórico de perseguições os cristãos por parte dos imperadores romanos.[3]

A estrutura do Apocalipse

Introdução (1,1-20):
Introdução e saudação: 1,1-8;
Visão do Ressuscitado: 1,9-20.
I. Cartas às Sete Igrejas (2,1-3,22):
Sete cartas às igrejas: Éfeso, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia.
II. Revelação do sentido da História (4,1-22,5):
O trono de Deus: 4,1-11;
Sete selos: 5,1-8,5;
Sete trombetas: 8,6-11,19;
Sete sinais: 12,1-15,4;
Sete taças: 15,5-16,21;
Queda da Babilônia: 17,1-19,4;
Triunfo de Cristo. Nova Jerusalém: 19,5-22,5.
Epílogo (22,6-21).

As sete Igrejas da Ásia

João estando na ilha de Patmos, escreve às sete igrejas da Ásia: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia (Ap 2, 1-3, 22).  Elas são dirigidas ao anjo da comunidade e são apresentadas como palavras de Jesus. Em cada carta, Jesus recebe um título. A estrutura começa com a expressão “Conheço tua conduta”. Em seguida, João descreve as qualidades da igreja, exceto, a de Laodiceia que é considerada morna (Ap 3, 16). Todas terminam com uma promessa ao vencedor.[4]

As visões proféticas

Trono de Deus. As visões proféticas de João tem início quando uma voz do céu lhe chama para o alto para junto do trono de Deus. Esta cena de visão de tronos é típica da mística judaica. O trono de Deus estava rodeado de 24 tronos e os que estavam entorno davam glória ao que estava sentado no trono (4, 1-11).
Sete selos. Havia um livro com sete selos e deveria ser aberto, mas não encontravam ninguém digno de fazê-lo. Finalmente, encontra o Leão da tribo de Judá que fora considerado digno de abrir o livro. A cada selo aberto corresponde uma revelação. 1º Selo - Conquista mundial, Cavalo branco; 2º Selo – Conflito e guerra, Cavalo vermelho; 3º Selo – Fome e escassez, Cavalo preto; 4º Selo – Morte, Cavalo Amarelo; 5º Selo – Visão do martírio, ou mártires; 6º Selo – Perturbações “cósmicas” ou sinais do céu, e a marcação dos 144 mil (6, 1-12); 7º Selo – Soar das sete trombetas dos sete anjos e o Juízo Final (8, 1-5).
Sete trombetas. Depois da abertura do sétimo selo, sete anjos munidos de sete trombetas começam a tocá-las. A cada trombeta, uma desgraça se abate sobre a terra. Depois do sétima trombeta, vêm sete sinais. 1ª trombeta – lançamento de saraiva e de fogo sobre a vegetação da terra (8,7); 2ª trombeta – fogo que transformou o mar em sangue (8,8); 3ª trombeta – uma tocha cai sobre os rios e as fontes de água (8,10); 4ª trombeta – escurece a lua, o sol e as estrelas; 5ª trombeta – traz um “ai”, a abertura do poço do abismo; 6ª temporada – segundo “ai”, a matança dos homens e 7ª trombeta – terceiro “ai”, abertura do templo de Deus.
Sete sinais. João vê alguns sinais. 1º sinal – uma mulher vestida de sol (12,1); 2º sinal – um dragão com sete cabeças (12,3); 3º sinal – uma besta saindo do mar (13,1); 4º sinal – outra besta saindo da terra (13,11); 5º sinal – o cordeiro com os 144 mil (14,1); 6º sinal – um anjo com o evangelho eterno e o 6º sinal que abre a próxima seção – sete anos com sete pragas (15,1).
Sete taças. São derramadas sete taças da ira de Deus (16,1). 1ª taça - apareceram chagas no corpo de quem tinha o número da besta; 2ª taça – os mares se converteram em sangue; 3ª taça – os rios se transformam em sangue; 4ª taça – o sol queimou os homens; 5ª taça – a escuridão tomou conta do reino da besta; 6ª taça – o rio Eufrates secou e a 7ª taça – um terremoto destruiu todas as cidades do mundo.
Depois destes eventos, um anjo leva João para ver o julgamento da Babilônia (17,1). A grande cidade que reina (Roma) é a nova Babilônia (17,18). Vem o anúncio da destruição da Babilônia (18, 9). No capítulo 20, João recebe a revelação que Satanás seria preso por mil anos e depois disso teria um reinado curto (20, 1-3). Toda a tribulação termina com o julgamento das nações (20,11).
A Jerusalém celeste. O capítulo 21 soa como o desfecho feliz de um filme de terror. João vislumbra um tempo utópico que aconteceria depois das perseguições dizendo “vi um céu novo e uma terra nova”. Este novo tempo envolve uma comunhão entre Deus e a humanidade.  Neste tempo que se confunde com um lugar (“Jerusalém nova”), tudo será renovado. Não existirão mais o sofrimento e nem a morte (Ap 21, 4). A cidade nova é toda bela, ornada de pedras preciosas. Os seus alicerces são os doze apóstolos (Ap 21, 9-21). Porém, nela não existe mais templo porque o próprio Deus habita nela. Não há mais noite e nem dia. Os seus habitantes serão apenas aqueles que foram inscritos no livro da vida (21, 22-17). Os pecadores serão atirados no lago ardente (21,8).Na nova cidade, há alimento o tempo todo, as árvores frutificam todo mês (22,1).

ANEXO
Uma proposta de tradução dos símbolos do Apocalipse[5]

I – ANIMAIS

Besta – o mal.
Cordeiro – Jesus.
Quatro seres vivos – representam a criação, a vida que flui de Deus.

II – NÚMEROS

3 ½ (metade de 7) -  período de tempo definidamente limitado.
4 significa o mundo criado.
6 significa imperfeição.
666 é uma intensificação de 6, como o significa imperfeição, 666 quer dizer uma tripla imperfeição. Portanto, o mal total. Segundo a interpretação com base na gematria, este número corresponde à soma das letras do nome KAISAR NERON.
7 significa a totalidade das obras, número completo,
10 significa tudo de.
1000 significa tudo, absolutamente tudo de.
12 é empregado para povo de Deus - as 12 tribos no Antigo Testamento, 12 apóstolos no Novo Testamento.
144 é uma combinação de 12s (12 x 12) e 10s (10 x 10 x 10) significa todo, absolutamente todo o povo de Deus nos tempos do Antigo e do Novo Testamento.

II - CORES
Preto é fome.
Amarelo é morte.
Branco é vitória.

IV – OBJETOS/LUGARES/PERSONAGENS

Armagedom - no Apocalipse significa literalmente a montanha de Megido, nome simbólico para a batalha final entre Deus e as forças do mal.
Babilônia - representa Roma e seus imperadores que perseguiram os cristãos.
Livro ou pergaminho - é o registro celeste.
Tigelas - carregam coisas do céu à terra e vice-versa.
Dragão - representa o diabo.
Olho - é símbolo para conhecimento.
Gogue e Magogue - representam a totalidade do mundo anti-cristão.
Meretriz - prostituta ou fornicadores representam pessoas de dentro da Igreja que deveriam ser fiéis ao Senhor e sua Palavra, ou seja, eles são os “falsos profetas”.
Virgem - cristãos fiéis que se recusam a cultuar outra coisa que não a Trindade.
Chifres - representam poder, como os chifres de um animal.
Incenso - é a oração.
Jóias - representam glória.
Candelabros - são as igrejas.
Terra representa as religiões não-cristãs organizadas.
Água viva - equivale à vida e verdade.
Mar - representa governo humano maléfico.
Selos - designam algo como propriedade privada. Na antiguidade, porções de argila pressionadas por anéis de sinete ou selos cilíndricos eram usadas para atestar propriedade. Para selar um pergaminho, uma porção de argila era colocada sobre os barbantes que amarravam o pergaminho e depois carimbado.
Água - estagnada representa a morte.
Trombetas - anunciam um evento.
Lagar - retrata o juízo de Deus e o inferno. No lagar o suco ou sangue das uvas era pisoteado para se fabricar vinho. No juízo de Deus, o sangue dos pecadores é derramado na morte eterna sob o fardo esmagador da sua ira.


[1]SCHNEEMELCHER, Wilhelm. New Testament Apocrypha. Volume Two: Writings Related to Apostles; Apocalypses and Related Subjects. Louisville; Kentucky: Westminster John Knox Press, 2003, p. 549.
[2] P.86.
[3] P. 87.
[4] OLIVEIRA, Emanuel Messias de. Apocalipse. (Apostila). Guanhães, 2005, p. 10.
[5] KLAUS, Ken. Revelando as coisas assustadoras no livro do Apocalipse. Disponível em: <https://www.editoraconcordia.com.br/web-files/uploads/site/downloads/guia-de-estudos-do-dvd-apocalipse.pdf> Acesso em 23 nov. 2019.

Epístola homilética de Hebreus


A Epístola aos Hebreus

A Epístola aos Hebreus é, na verdade, um sermão ou um tratado. O autor é desconhecido, mas pode ter sido algum autor de influência paulina. Pode ser uma composição de 70 depois de Cristo. O encerramento do texto contém uma nota que parece dizer que o texto foi escrito na Itália. Além disso, o sermão não diz que é dirigido aos hebreus. Mas, a tradição manteve esta identificação porque o conteúdo se refere aos judeus cristãos.
A estrutura de Hebreus pode ser exposta do seguinte modo: Prólogo (1, 1-4), I – O Filho é superior aos anjos (1, 5-18), II – Jesus sumo sacerdote fiel e misericordioso (3, 1-5, 10), III – O autêntico sacerdócio de Jesus Cristo (5, 11-10, 18), IV – A fé perseverante (10, 19 – 12, 29) e conclusões (13).
O sermão pretende demonstrar o lugar de Cristo diante da Lei judaica. Então, o apresenta como o sumo sacerdote e como selador de uma nova aliança. O texto parece ter sido escrito para esclarecer aos cristãos vindos do judaísmo que a boa nova de Jesus substitui a antiga aliança. . Logo no início, o autor de Hebreus traça as características de uma cristologia: Jesus é o “herdeiro de todas as coisas”, resplendor da glória de Deus, expressão (charácter[1]) do ser (hypóstasis[2]) de Deus e superior aos anjos.
Cristo, superior aos anjos – Cristo é descrito como o primogênito do mundo e os anjos estão a seu serviço (Hb 1, 5). A primeira aliança se baseou na lei promulgada por anjos e a transgressão àquela tinha consequências sérias. Maior é agora a transgressão à aliança inaugurada pelo Senhor (Heb 2,1). Deus sujeitou o destino do mundo não aos anjos, mas ao seu Filho. Ele, como homem, foi feito menos que os anjos para participar do sofrimento. A salvação aconteceu por meio do sofrimento. Isso se deu porque sua preocupação é com os homens e com aquilo que lhes é comum. Deste modo, fez-se semelhantes a eles em tudo, exceto no pecado (Hb 2, 5-18).
Cristo, sumo sacerdote – Cristo está acima de Moisés por causa da qualidade de Filho (3, 1-6). Portanto, todos devem aproveitar este tempo oportuno da nova aliança (3, 7-19) e que todos confiem na promessa do repouso que virá (4, 1-13). Seguem as qualidades do novo sumo sacerdote: Ele é compassivo, está nos céus, mas experimentou a natureza humana, conhece nossas fraquezas, por isso, é capaz de ter misericórdia (4, 14-16). Jesus recebeu o título de sumo sacerdote e exerceu esta missão enquanto estava na terra. Ele intercedeu pelos homens e por meio do sofrimento chegou à perfeição (5, 1-10).
Depois de dizer que não vai aprofundar em doutrinas difíceis, o autor de Hebreus diz que quem perdeu a fé dificilmente retornará a crer por causa deste risco, pede à sua audiência para ser perseverante (6, 1-19).  Em seguida, retoma o tema da nova aliança, exaltando a figura sacerdotal de Melquisedec. Assim como ele que não tinha genealogia exerceu esta função, Cristo que não pertencia à casta sacerdotal recebeu a missão do sacerdócio (7, 1-14).
A superioridade da nova aliança – A antiga Lei era fraca e foi abolida (7, 15-19). Jesus é a garantia de uma aliança melhor e mais perfeita. Ele tem um sacerdócio imutável, imaculado e já ofereceu seu sacrifício (7, 20-28). O ministério de Cristo é superior aos sacerdotes da antiga aliança (8, 6-13). Aquela era feita de ritos humanos. Cristo é sumo sacerdote dos bens vindouros. O seu sacrifício propiciou um culto purificador ao Deus vivo (9, 1-14). O sangue de Cristo renovou a aliança e purificou todos os pecados. O seu santuário é o próprio céu (9, 15-18).
A Lei é incapaz de levar as pessoas à perfeição. Cristo ofereceu um sacrifício único e a remissão dos pecados já aconteceu. Não há necessidade de oferendas e de sacrifícios (10, 1-18). Por causa dessas promessas, o autor pede que todos sejam perseverantes (10, 19-39).
A natureza da fé – A definição de fé de Hebreus inclui a crença na substância (hypóstasis) daquilo que se espera e na convicção (élenchos[3]) do que não se vê. O testemunho dos antigos é baseado. Foi pela fé que Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e os profetas realizaram suas obras. Mas a realização da promessa veio nos tempos atuais (11, 1-40).
O autor pede que todos aceitem a educação de Deus e sigam o exemplo de Jesus Cristo porque sua aliança é superior (12, 1-29). Há algumas virtudes elencadas como o amor, a hospitalidade, a honra ao matrimônio e a obediência aos dirigentes (hegéomai). Dois vícios são apontados: o amor ao dinheiro e o risco das doutrinas falsas (13, 1-19).


[1] Charácter, em grego, significa “instrumento de gravar, marca estampada, semelhança”
[2] Hypóstasis, em grego, significa “que é fundação, substância, ser real, natureza”.
[3] Élenchos, em grego, significa “prova, teste, convicção”.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Epístolas Católicas ou Gerais


EPÍSTOLAS CATÓLICAS

As epístolas universais, gerais ou católicas são: Tiago, 1ª de Pedro, 2ª de Pedro, 1ª de João, 2ª de João, 3ª de João e Judas. Elas são classificadas deste modo quanto aos destinatários. Elas não têm como destinatários nem uma comunidade e nem um pastor, mas todos os fiéis. Do ponto de vista literário, temos também uma sub-classificação: Tiago é uma homilia, um exemplar da literatura sapiencial no Novo Testamento. As Epístolas de Pedro inauguram uma tradição que chamaremos de literatura petrina. As epístolas de João podem ser lidas juntas com o Evangelho de João formando a literatura joanina. E a Epístola de Judas em si mesma.
A preocupação que une as epístolas universais é o combate às falsas doutrinas. 2ª Pedro precaver as comunidades a respeito das “heresias perniciosas”. A variação dos ensinamentos começou bem cedo e gerou divisões em muitas comunidades. A epístola de Judas profere um tipo de castigo sobre os incrédulos e falsos doutores (Judas 5-10). A vida moral também é preocupação destas cartas principal em Tiago e João.[1]

10.1. A epístola sapiencial de Tiago

Por influência, talvez, das epístolas paulinas, Tiago é também considerado uma epístola.Ele tem mais um estilo de uma homilia. Alguns consideram que seu gênero literário seria o epistolar proverbial ou epistolar homilético[2].Os autores do texto podem ser Tiago, filho de Zebedeu (Mc 3, 17) ou Tiago, irmão do Senhor (Mt 13, 55). A hipótese mais provável é que se seja Tiago, irmão do Senhor. Alguns dão a data de 57 a 60 como tempo de redação. Segundo o historiador Flávio Josefo, Tiago morreu apedrejado no ano 62.Porém, alguns colocam Tiago no final dos anos 40, fazendo dele um dos primeiros escritos cristãos. O discurso é dirigido aos judeus que viviam fora da Palestina. O lugar de onde o autor fala seria provavelmente Jerusalém, onde vivia Tiago. Se, de fato, ele for autor.
O estilo e a temática de Tiago o inserem na tradição sapiencial. O seu conteúdo é uma exortação moral para o comportamento dos cristãos (parênese). A homilia reprova um cristianismo de aparências e cobra o valor das obras. Alguns temas aparecem como o contraste entre o rico e o pobre, entre a fé e as obras. São também importantes o controle da linguagem, a busca da sabedoria e conselhos para o controle dos desejos e da ira. Além disso, a temática sapiencial está reforçada em Tg3, 13-18.
Os temas apresentados na Epístola são: A atitude cristã perante as provações: 1,2-18; pôr em prática a Palavra: 1,19-27; caridade para com todos: 2,1-13; fé com obras: 2,14-26; domínio da língua: 3,1-12; verdadeira sabedoria: 3,13-18; origem das discórdias: 4,1-12; evitar a presunção: 4,13-17; advertências aos ricos: 5,1-6 e exortações finais: 5,7-20.
A provação aperfeiçoa a fé por isso Tiago inicia sua homilia encorajando sua audiência a alegrar-se com a provação (Tg1, 2-4). A riqueza é criticada por causa de sua condição de perecível (1, 9-11).Tiago identifica a religião autêntica com o socorro aos órfãos, às viúvas (1, 26-27). A fé em Jesus não admite distinção entre pessoas. Os pobres devem ser acolhidos na reunião do mesmo modo que o rico. Quem ama o irmão, trata a todos igualmente (2, 1-9).
A perícope de Tiago 3, 14-26, contém uma perspectiva diferente a respeito das condições da salvação, contrariando Romanos 1, 16-17.  Paulo considera que a adesão ao Evangelho pela fé é suficiente para a salvação (Rm1, 16-17).Tiago já entra no mérito de modo incisivo: “Acaso a fé poderá salvá-lo?” As obras a comprovação da fé. Elas são o aspecto exterior da religião.  Uma fé sem obras é morta. Tiago contém um apelo à Lei e ao espírito do profetismo do Antigo Testamento que enfatiza o dever ético do judeu para com os órfãos e as viúvas.
Diferentemente, Paulo põe a Lei em segundo plano. Sua interpretação do cristianismo é adaptada à acolhida dos helenistas. Portanto, como condição de salvação bastaria para ele a fé. Então, poderíamos conceituar a fé a partir de duas direções: a) psíquico-existencial – quando se adere ao conteúdo da fé, abre-se à salvação gratuita de Deus (input); b) ético-prática: a adesão da fé se exterioriza como obras, quando isso não ocorre, não houve uma perfeição assimilação dos efeitos salvíficos da fé (output).
Poderíamos dizer que Paulo e Tiago discutem sobre duas dimensões de um mesmo fenômeno: a fé. Porém, estão focando pontos diferentes.  Se alguém ler cada texto como unidade em si mesmo, não há contradições. A contradição aparece quando se quer fazer do Novo Testamento uma unidade teológica, tentando harmonizar diferentes pontos de vista.
Depois da consideração soteriológica da perícope examinada, Tiago faz um discurso moral sobre o controle do comportamento a partir do controle da linguagem.  Muitos males e bens surgem do uso correto da fala. Quem for capaz de refrear a língua, vai refrear todo o corpo (3, 1-12). A sabedoria se mostra pelas boas obras. A sabedoria “do alto” é pacífica, indulgente, conciliadora, misericordiosa e imparcial (3, 13-18).
Tiago trata a moral como os estoicos. As emoções são consideradas a fonte das rivalidades. A cobiça é apontada como um vicioso perigoso. Quando alguém não atinge seus objetivos, opta pela guerra. Ainda dentro do tema do controle da língua, Tiago aconselha para que ninguém fale mal dos outros porque ninguém é juiz do próximo (4, 1-12).
A oposição entre ricos e pobres é forte na moral social de Tiago. Os ricos vivem na vaidade da transitoriedade das riquezas (1, 9-11), orgulham-se de sua condição e se esquecem de sua condição de mortal. O maior pecado do rico é sua jactância (4, 13-17). Para os ricos orgulhos e exploradores dos pobres está reservada uma desgraça. Tiago denuncia os donos de terras que não pagavam os salários aos seus trabalhadores (5, 1-6). O pobre vive humilhado pelo rico (1, 9-10) e são mal recebidos nas reuniões (2, 2-4). Mas a verdadeira religião consiste no socorro ao órfão e à viúva (1, 27).
Assim como acontece de modo insistente nas epístolas de Pedro, Tiago também fala da vinda do Senhor e pede aos seus leitores que a esperem com paciência. Enquanto, isso não acontece, todos devem procurar se alegrar, orar sempre e cuidar uns dos outros (5, 7-19).
As exortações finais de Tiago contêm dois trechos que foram utilizados pela dogmática católico-ortodoxa para fundamentar os sacramentos da unção e da confissão: a) o gesto da união do óleo com a oração sobre um doente traz a cura e o perdão dos pecados; b) os irmãos confessar os pecados uns aos outros (5, 14-16).

10.2. As epístolas petrinas

            Na antiguidade, circulou um conjunto de obras atribuídas ao apóstolo Pedro. Esta literatura petrina contém o Evangelho de Pedro, Atos de Pedro, Querigma de Pedro e o Apocalipse de Pedro. Embora, apenas as duas epístolas foram admitidas no Novo Testamento, é importante conhecer essa tradição.  Pedro foi um discípulo muito próximo de Jesus, mas os ensinamentos escritos que se destacaram foram os de Paulo.Vamos apresenta apenas o Evangelho de Pedro por sua antiguidade e originalidade. O Apocalipse de Pedro pertenceu ao cânone muratoriano.
            O Evangelho de Pedro foi escrito na Síria Ocidental e foi utilizado pelos cristãos de Rosso, uma cidade no noroeste daquela província e contém a história da paixão até a ressurreição de Jesus. Como Pedro foi um apóstolo referencial naquela região, este evangelho pode conter memórias do apóstolo redigidas por alguém. Mas o evangelho não foi acolhido no Novo Testamento.[3]
            A 1ª Epístola de Pedro é destinada a todos os estrangeiros da Dispersão (1Pd 1, 1). Logo no início, Pedro profere uma bênção semelhante ao costume do Antigo Testamento, ressaltando a misericórdia de Deus releva em Jesus, por meio da qual todos têm salvação (1 Pd 1, 3-5).Pedro convida a sua audiência a alegrar-se, mesmo em meio às provações, porque depois todos alcançar a glória por ocasião da revelação de Jesus (1Pd 1, 6-9).
            Os profetas perscrutaram a respeito da salvação que se revelaria em Jesus Cristo (1Pd 1, 10-12). O foco de Pedro é a revelação de Jesus Cristo nos fins dos tempos. Todos devem comportar não como os tempos antigos, mas segundo a santidade para qual foram chamados (1Pd 1, 13-21). Ele pede para que todos amem com amor fraternal (1Pd 1, 22-25). A palavra é comparada ao leite que ajuda o fiel a crescer para a salvação (1Pd 2, 1-3).
            A metáfora da pedra é atribuída a Cristo e aos seus seguidores. O apóstolo ressalta a condição de Povo de Deus que os cristãos assumiram após a manifestação de Jesus Cristo (1Pd 2, 4-10). Ele ensina aos cristãos a se comportarem como “peregrinos e forasteiros” neste mundo. Ao se indispor contra o mundo, Pedro orienta para que todos evitem os desejos carnais (1Pd 2, 11-12).
            No centro da epístola petrina, há uma apresentação de normas éticas (Haustafel). Dentre os conselhos do apóstolo, está o pedido para que os cristãos se submetam às autoridades (2, 13-17). Ele pede também que os criados mantenham a submissão e aceitem o sofrimento e as aflições. Jesus, do mesmo modo, tomou os pecados dos homens sobre si (2, 18-25). Do mesmo mododo que ocorre na 1ª Epístola a Timóteo, Pedro aconselha às mulheres para que se sujeitem aos seus maridos. Desvaloriza os enfeites e acessórios do vestuário feminino e aconselha o adorno com boas obras. Aos maridos é dito para que sejam compreensivos e honrem as esposas (1Pd 3, 1-7).
            Por fim, Pedro exorta para que todos vivam o amor fraterno e que ninguémpague o mal com o mal (1 Pd 3, 8-12).  Em seguida, ele repete a bem-aventurança relacionada à perseguição por causa da justiça para encorajara aqueles que estavam sendo perseguidos. E pede para que todos estejam dispostos a dar a razão de sua esperança. Este é um tipo de estímulo ao testemunho da fé em Jesus diante das situações de perseguição (1Pd 3, 13-17). A morte e ressurreição de Cristo servem de encorajamento para todos (1Pd 3, 18-22).
            Pedro compara a condição dos fiéis antes da fé em Cristo. Todos estavam entregues aos vícios, mas agora todos têm um comportamento moral para seguir (1Pd 4, 1-5). A epístola traz ecos da crença de que Jesus desceu à mansão dos mortos e levou o evangelho para que fossem julgados em pé de igualdade comos vivos (1 Pd 3, 19-20. 4, 6).
            Pedro crê firmemente na Parusia: “O fim de todas as coisas está próximo”. Mais uma vez, aparece o tema moral. As virtudes apresentadas são: Autodomínio, sobriedade, amor mútuo, hospitalidade e bom serviço (1Pd 4, 7-11). O apóstolo engrandece aqueles quem sofre pelo amor a Cristo (1Pd 4, 12-19).
            Em uma posição diferente, Pedro retoma os conselhos morais. Primeiramente, recomenda que os presbíteros cuidem de seu rebanho livremente, sem ganância, por devoção, comportando-se como modelos para o rebanho (1Pd 5, 1-4). Depois, aos jovens, recomenda humildade, sobriedade e vigilância (1Pd 5, 5-11).
            A 2ª Epístola de Pedro se dirige a todos que têm uma fé semelhante àquela do apóstolo.A epístola gera um raciocínio em cadeia que vincula a fé à moral. “Por isto mesmo, aplicai toda a diligência em juntar à vossa fé a virtude” (2Pd 1, 5). A virtude e o conhecimento conduzem à caridade. Este raciocínio estabelece uma lista de virtudes.
            Em seguida, encontramos na epístola um tom de despedida, de caráter testamentário da parte de Pedro (2Pd 1, 12-15). Ao afirmar que seu testemunho vem do fato de ter sido testemunhas oculares (epóptes), argumenta que esta posição não vem de fábulas. As profecias não provêm de uma interpretação particular (ídiosepílysis), mas pelo impulso do Espírito Santo (2Pd 1, 19-20).
Assim como há nas demais epístolas católicas, há uma preocupação em preservar a doutrina transmitida pelos apóstolos.Pedro denuncia a existência de falsos profetas que espalham “heresias perniciosas”, mas eles não prevalecerão (2Pd 2, 1-3).
Deus sempre castigou que pratica a impiedade. Ele lançou os anjos rebeldes na escuridão do Tártaro, puniu os antigos com o dilúvio, mas ele preserva os justos como fez com Noé e com Ló (2Pd 2, 4-10). Os que se entregam ao pecado serão condenados à escuridão das trevas (2Pd 2,11-22).
Pedro retoma o tema dos falsos doutores. Segundo o apóstolo, nos últimos dias virão escarnecedores que levarão a vida desenfreada. Muitos se desesperam com a vinda do Senhor, mas ele cumprirá a sua promessa. O Dia do Senhor acontecerá de surpresa. Neste dia, o céu e a terra serão consumidos (2Pd 3, 1-10).
Depois desta consumação, surgirão novos céus e nova terra. Uma virtude reinará esta nova realidade que é a justiça (2Pd 3, 11-13). É curioso que Pedro relembra as cartas de Paulo, considera-as difíceis de interpretação e as coloca como Escrituras (2Pd 2, 15-16).
                                                              
10.3. As epístolas joaninas

A 1ª Epístola de João não apresenta os elementos de uma epístola como o endereço e as saudações finais. Não há um destinatário. Portanto, supomos que se trata de uma audiência geral por causa dos assuntos tratados.
Em conexão com o prólogo do Evangelho do João, o autor fala da manifestação do Verbo da Vida e se coloca como testemunha que compartilha esta riqueza com suas audiências para que todos estejam em comunhão com o Pai e o Filho (1 Jo1, 1-4). Em seguida, o texto desenvolve uma importante cristologia que descreve Jesus em comunhão com o Pai e que purifica todo pecado (1Jo 1, 7), que é vítima de expiação dos pecados da humanidade (1 Jo 2, 2).
O conhecimento de Deus consiste na observância dos mandamentos. A fé e a comunhão com Deus implica um determinado comportamento. A fé é reconhecida pelo comportamento dos fiéis (1Jo 2, 3-6). João recorda do mandamento do amor ao próximo (1Jo 2, 7-11). O autor opõe a promessa da vida eterna à entrega ao mundo. Neste texto, mundo é identificado com os desejos e sua satisfação (1Jo 2, 12-17). O cristão deve afastar dos anticristos. O Anticristo é aquele que nega o Pai e o Filho (1Jo 2, 18-24). A preocupação em estar preparado para a vinda de Jesus aparece 2, 28.
Deus deu a todos a condição de serem filhos de Deus (1Jo 3, 1-2).  Quem permanece junto de Deus não peca. O pecado é a prática da injustiça e da iniquidade (1Jo 3, 3-10). As boas obras consistem no amor ao irmão, evitando o ódio. Este amor não pode ser apenas em palavras, mas em obras (1Jo 3, 11-24).
A confissão de que Jesus é o Filho de Deus é o caminho da comunhão com Deus e na permanência do seu amor. O amor ao irmão é a medida para o amor a Deus (1Jo 4, 7-21. 5, 1-4). O testemunho do Filho é importante para que todos tenham vida eterna (5, 5-13). Por fim, João distingue entre pecados que conduzem à morte e aqueles que não conduzem (1Jo 5, 16-17).
A 2ª Epístola de João é direcionada a uma igreja identificada através da expressão poética “Senhora eleita”. É um texto breve e consiste de dois temas: a) A exortação para amar o próximo (4-6); b) evitar aqueles que negam Jesus (Anticristo) e ensinam esta doutrina (7-11).
A 3ª Epístola de João é dirigida a Gaio. Ela tem um tom mais pessoal. João tece elogia ao testemunho de um cristão chamado Gaio. Ele censura um tal de Diótrefes que está expulsando as pessoas da igreja (9-11). Os elogios seguem tambémpara Demétrio. De modo geral, o apóstolo que elogiar aqueles que fazem o em.

10.4. A Epístola de Judas

A epístola aparece no cânone mais antigo que se conhece, mas esclarece que alguns tinham dúvida de seu caráter de inspirada. Esteve entre os antilogomena(“livros contestados”), mas foi finalmente aceito no cânone no Concílio de Cartago, em 397. O autor se identifica como Judas, irmão de Tiago. A epístola pode ter sido escrita em Jerusalém e deve ter sido escrita por volta de 65.[4]
A Epístola de Judas começa com seu endereçamento a todos os amados (1, 1-2). É uma correspondência que se destina a um público amplo e que não é definido. Em seguida, Judas explica a razão de escrever a epístola. A sua preocupação se volta para o surgimento de doutrinas falsas entre os cristãos. Alguns estavam utilizando o conceito de graça para justificar uma liberdade imoral (3-4).Segundo alguns autores, o tom da epístola combate a heresia dos carpocracianos.[5]O autor cita o episódio dos anjos rebeldes e de Sodoma e Gomorra para demonstrar como Deus puniu esses transgressores (5-7). Estes blasfemadores serão julgados como muitas personalidades pecaminosas da história do Antigo Testamento (8-16).  Judas pede aos seus leitores para se precaverem dos causadores de divisão porque já foi predito que nos últimos tempos surgiriam muitos “escarnecedores” (17-19). O apóstolo orienta para que todos conservem a fé e o amor e procurem convencer os hereges (20-23). O encerramento se dá por meio de uma doxologia (24-25).
A epístola possui uma relação incomum com textos da literatura apócrifa do Antigo Testamento. O primeiro episódio é a informação de que o diabo disputou o corpo de Moisés com o diabo (v. 9). Trata-se de uma tradição preservada no livro Assunção de Moisés. Acrescenta a história de habitantes de Sodoma e Gomorra quiseram se unir sexualmente com seres de outra natureza que provém do livro Testamento dos Doze Patriarcas (v. 7). Do livro de Enoque, aparecem duas influências: Primeiramente, Judas comenta sobre o mito dos anjos rebeldes (v. 6), e depois, cita de memória uma profecia de Enoque (vv. 14-15).
De um modo geral, a epístola é uma correspondência para exortar as comunidades para resistir e vencer aquelas que ensinam doutrinas falsas. Ela procura mostrar o destino dos blasfemadores na história de Israel.A recomendação final é de manter a fé e a caridade e convencer os hesitantes.

Referências

BERKHOF, 2014.
KOESTER, 2005.

LOCKETT, Darian. An Introduction to the Catholic Epistles. New York: T&T Clarck, 2012.

VIEIRA, Rosinaldo Ernesto. A Epístola de Tiago: A relação entre f. Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2008.



[1]LOCKETT, Darian. An Introduction to the Catholic Epistles. New York: T&T Clarck, 2012, p.1-3.
[2]VIEIRA, Rosinaldo Ernesto. A Epístola de Tiago: A relação entre f. Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2008, p. 23.
[3] KOESTER, 2005, p. 178.
[4]BERKHOF, 2014, p. 291.
[5]BERKHOF, 2014, p. 289.